sexta-feira, 30 de maio de 2008

OS SINOS

Os Sinos são da cor da erva madura com cheiro a orvalho quando amanhece.
Gosto deles.
Nos campanários altos fazem músicas inocentes que parecem alegrias e tristezas.
Aprendi a gostar dos sinos depois de odiar as novenas nas madrugadas geladas.
Nunca faltava a essas novenas para contentar os vícios espirituais de minha mãe.
E prova de que não sou pessoa de ódios é que dos sinos que me tocavam para as missas do cedo ouço até músicas duma filarmónica de Sergi Celibidache...

quinta-feira, 29 de maio de 2008

AROMA MATINAL

Nunca o inóspito futuro será o meu futuro.
Faço de cada dia
Um ramo de alegria
E deixo que, em cada madrugada, entre pela minha janela o ar puro
E a música com feitio de flores ou de árvores...

Só gosto de flores exóticas como as proteias
Ou então das flores banais
Como o pampilo
Que, de tão natural e sem estilo,
Deixa que lhe conte os meus segredos de menino
Sem espanto e com atenção de peregrino..

Gostava de correr silenciosamente
Ao teu encontro.
E tão suavemente
Como um adágio de piano
Entrar no sonho matinal dum oceano
Onde o sol e a lua simplesmente dormem.

CERCO DOS IMPOSSÍVEIS

Par ti, altura (im)possível

Nasce-me uma rosa dentro do peito.
E é de azul impossível a cor da minha rosa.
Hei-de fazer com a minha rosa um traste
Tão doce e tão durável quanto é impossível a cor da minha rosa.

Hoje, com mais saudades, porque muito chove e logo é Junho

quarta-feira, 28 de maio de 2008

TEMPLO DA ÁGUA

Cai-te o horizonte no regaço
Enquanto o sol adormece de cansaço.
Tu, olhas o infinito e o mistério
Tu, olhas a distância sem critério
Tu, imaginas um momento
Tão inútil e tão imaculado como o firmamento.


É meditando sobre o devaneio,
Prática tão absurda como exaltante,
Que logo descobrimos de permeio
A ideia base, a sensação pedinte, a fúria triunfante.


Depois, seremos alma, seremos árvore, seremos nau
Seremos lua, luz, luta, varapau
Seremos pó, nuvem, um anseio
Seremos a eternidade num abismo
Depois de sermos água, bênção... um baptismo..

ECONOMIA DA TRAMPA

O senhor ministro Manuel Pinho é uma luminária, uma inteligência fulgurante e sabe esgrimir, em economias, com um argumentário arrasador.
O senhor Ministro lançou uma diatribe contra os que correm a Espanha para abastecer os veículos de combustível que faz esses habilidosos corar de vergonha, por falta de senso comum, mas sobretudo por défice de patriotismo. …
Esses senhores que vão dar a Espanha menos 30 cêntimos por litro pelo preço dos combustíveis estão a abrir caminho à perda da independência, estão a colocar o país subjugado a Espanha, estão a encher os cofres do governo espanhol à custa de perdas, muito graves, das nossas receitas públicas…
E o senhor Ministro Manuel Pinho, Doutor de muitas economias, explicava por forma clara e inequívoca: os combustíveis em Portugal estão exactamente ao nível do Reino Unido, da Bélgica, da Holanda, da Alemanha, grandes senhores da Europa de vanguarda…. Não temos que nos comparar com a Espanha… Se calhar também não temos que nos comparar com a Polónia com a Eslováquia ou com a Letónia. Ou com a Grécia, onde a gasolina custa cerca de 90 cêntimos. Ou com o Luxemburgo onde o preço é 40 cêntimos mais baixo…Ou com os Estados Unidos onde a gasolina custa pouco mais de 50 cêntimos!!!.
A rigorosa labuta mental do senhor ministro PINHO levou-o de forma lépida e expedita a comparar preço de combustíveis com os melhores da Europa…
É um ás das economias, aquele senhor ministro!
E tem muito bom gosto quando nos compara com Reino Unido, com a Bélgica, a Holanda ou com a Alemanha.
É no preço dos combustíveis e no futebol que somos os maiores!!!!!
Aquele senhor ministro é um malabarista nas comparações, um truta, uma águia, uma manilha a querer endrominar o Zé Pagode…
Porque é que o senhor ministro não compara os salários?
Compare os salários e deixe lá os combustíveis, que pelo que vemos, ouvimos e lemos até onde os derivados do crude são muito mais baixos, também por aí há borrasca, contestação, rebuliço de pescas, protestos de agricultores…
Uma de duas ou o senhor Ministro não sabe o que é muito grave, ou é um manipulador mentiroso e merecia que lhe sujassem a cara com tomates e ovos podres…
Mas eu vou ser claro: o preço final dos combustíveis, o preço ao consumidor é um composto de quatro valores: três são fixos e um é variável. Para a gasolina 73% é valor do crude cujo barril tem cerca 180 litros; 10% são da refinação, 6% é do valor distribuição O 4º componente é muito variável e são as taxas, os impostos, o aforramento do estado ou dos amigos das empresas petrolíferas….
Mas façam um exercício matemático, só com tabuada de 2ª classe, e facilmente irão concluir que muito mais de 2/3 do que pagamos pelos carburantes vai para o estado e para as petrolíferas.
Nos Estados Unidos, que é péssima referência para muitas coisas, a Energy Information Adminitration publica todos os dias um site, na net com essas percentagens. Faça isso senhor ministro Manuel Pinho e deixe-se de lérias… Que olhe, o senhor, em economia, é uma carta furada!Mesmo assim continua no baralho....Que fazer?
A resposta seria um coro, que, por decoro, não explicitamos!!!!

quarta-feira, 21 de maio de 2008

VAMOS REFUNDAR O SISTEMA EDUCATIVO!?


“O mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos duma criança”
António Gedeão
Assim dizia Gedeão. E dizia uma verdade grande, enorme, absoluta.
Por isso indiscutível, mas que as sucessivas governanças deste país nunca entenderam, ou entenderam tão estupidamente que teimam em levar o país para um beco sem saída.
Por força do contágio, o país também mudou. O país fugiu, em parte grande, para o litoral entre Braga e Setúbal.
A mulher passou a profissional, em paridade com o homem, e sai de casa nas horas da madrugada para chegar tão tarde e tão cansada como o seu parceiro.
A família tradicional estoirou porque a mãe deixou de ser a fada do lar, a guardiã da tribu, a zeladora dos confortos necessários para bem acolher e amparar
Convenhamos que sempre “família é amar e ser amado”.
Para tanto, para que amor se diga e se faça é preciso tempo e lugar...
Ora o tempo e o lugar que faziam o ninho da família de antanho acabou.
Hoje é um corre, corre, sempre com falta de tempo e muitas vezes com acidentes: é ouvir os avisos de trânsito pelas sete da manhã e pelas nove da noite...
Mas há ainda outro factor que amplia, e de que forma, as mudanças estruturantes que não têm réplica estruturada neste nosso país de palavreado balofo e futeboleiro…
Os últimos trinta anos abriram-nos ao mundo e fizeram do mundo, que frequentemente tinha os limites do horizonte visual, uma ervilha que dança na palma da nossa mão.
Entretanto, generalizou-se, e muito bem a pré-primária. (a experiência que tenho de investimento e de controle garantem-me que é o segmento do sistema educativo que melhor funciona).
A pré-primária faz a socialização que outrora a primária, com limitações e precaridade de meios de informação não era capaz de conseguir.
A criança sai da pré-primária com olhos para ver o mundo e pressentir do mundo muitas das suas complexidades.
A fase de “criança”, com interesses e necessidades específicas vai até aos 12-13 anos. Será muito correcto e muito desejável juntar a criança num ciclo único de aprendizagens, com docências diferenciadas e específicas.
Lembro que nunca há actos pedagógicos neutros: ou se forma ou se deforma. Mas é nesta "idade da esponja" que particularmente se pode impulsionar para o sucesso ou trucidar para a desgraça...
Entrando na puberdade, pelos 12-13 anos, entra-se num mundo de turbulências físicas e psicológicas. Já não temos mais criança: temos agora o adolescente com interesses e necessidades específicas que devem ter o seu ciclo e nesse ciclo o conveniente e esmerado acolhimento e amparo
Pelos 16 anos vamos encontrar o jovem pré-adulto, já senhor de si e capaz de assumir responsabilidades a que deve corresponder um novo ciclo que responda às necessidades e interesses específicos desta fase.
Daqui se conclui que:
Primeiro - Na escola não há só crianças, como de forma imbecil e provocatória são tratados todos os alunos em qualquer das diferentes fases de crescimento e desenvolvimento.
Segundo - O ninho antigo de acolhimento estoirou. Pais e mães saem de casa muito cedo e chegam a casa muito tarde.
É necessário encontrar um lugar de acolhimento e amparo para que crianças, adolescentes e jovens não fiquem entregues à rua como ora acontece.
Esse lugar de acolhimento e amparo só pode ser a ESCOLA que está obrigada a dotar-se de Psicólogos, Sociólogos, Assistentes Sociais e Seguranças e todos, usando das necessárias complementaridades, farão o trabalho de acolhimento e amparo.
O professor tem a sua função específica, e de enorme responsabilidade e mérito que é a de incitar à aprendizagem da sua disciplina. E não mais.Porque isso lhe bonda e é tarefa pesada a requerer saberes, aptidões e muita arte.
Ora digam que esta proposta não pode ser base para uma refundação séria e moderna do nosso Sistema Educativo?
O que para aí corre são lérias para enganar e distrair...

segunda-feira, 19 de maio de 2008

UMA CIRCUNSTÂNCIA

Perco-me entre as horas de sonhar e as ondas do mar.
É tudo tão próximo e tão misterioso
Tudo tão azul e delicioso
Que sou levado a acreditar
Que uma rosa e um raio de luar
Fazem toda a minha circunstância
E que esta circunstância nasceu num dia cinco por acaso
Sem eira nem beira e sem maternidade
Simplesmente à sombra duma eternidade.

AMOR E SEXO

O amor e o sexo quase são gémeos.
No sexo faz-se amor e o amor funde, no sexo, os amantes.
É assim que se faz amor em vez de sexo e se faz amor quando se faz sexo.
Mas era uma vez que os quase gémeos amor e sexo se travaram de razões. Como, aliás, é próprio da comum fraternidade.
Então o amor jurou de si contraditórios juízos, perplexas sentenças, imprevisíveis modos e maneiras de se explicar perante o sexo a quem acusou de ser uma ocasião, uma oportunidade, uma circunstância...
E disse, circunspecto, palaciano, apaixonado e retórico:
Amor não casa com prudência!
Amor é alegria e perdição!
Amor embala e desperta!
Amor engole, amor sufoca, amor atrai!
Amor desconhece avisados cuidados!
Amor é suicida!
Amor é ressurreição!
Amar é a forma irregular de conjugar o desejo!
Amar é bebermos pelo mesmo copo, comermos do mesmo prato e partirmos no mesmo barco. Mas barco sem leme e rumo sem norte...
E nesta aventura amamos o possível e o impossível.
E amar a coberto da sombra perfumada?
E ama, solto e liberto, nos prados da infância?
O amor é o elixir para o tempo imortal!
Ai!
Por amor ajudamos, agredimos, mordemos, e choramos. Que o amor é físico, é carne, é pecado, é alma e adoração. Excita e suaviza.
Amar é a única atitude digna na vida das pessoas. Porque une. Porque ata. Porque prende e liberta.
O amor é uma onda magnética. Repele e atrai. É doçura e crueldade.
E também uma longa paciência e um infinito desejo.
Por vezes amor é um jogo, uma história para embalar, um embalar de adormecer.
Os amores tardios são mais deliciosos. Tem sabor de mel, de nozes de uvas passas.
O amor tem filhos. E tem pais. E tem irmãos..
As portas do amor abrem sempre para as portas da amizade.
O amor não se aprende. Faz-se e dá-se.
Amar faz o mundo maior.
Faz o calor mais fresco, o frio mais quente.
O amor não tem idade. Está sempre a nascer.
Amor é amar no imperfeito. Sempre.
O amor é uma necessidade...
E tu sexo, tu és uma vontade!

domingo, 18 de maio de 2008

À ESPERA DO POEMA

Hoje era tempo de começar um poema
a olhar-te no meio do dia
porque tu trarias pela mão o prometido sol

Afinal é tarde demais para colorir o dia triste
e nunca escrevo a palavra exacta.

Fico simplesmente
de frente para as letras

O VAZIO

Os olhos choram lágrimas do meu pensamento
E eu não entendo nem o pensamento nem as lágrimas.
Ainda menos entendo o coro dos melros
A abrir as portas da Primavera
Quando é Outono.

Quem poderia explicar este enigma
Era a minha tia
Que chamava melros às andorinhas
E sempre usava um cachine chinês para ir à missa do galo.

Os olhos choram lágrimas do meu pensamento.
E tudo isto porque os olhos se fartam de chorar
Enquanto eu não penso em coisa nenhuma.

DESENCONTRO

Apesar da límpida maresia no teu gesto
e da transparente flor ao pé da boca
os ventos sopram no teu peito
e fazem
ao entardecer
desencontros perpétuos.

sábado, 17 de maio de 2008

LER

Ler é colher e recolher significâncias.
Lemos o livro e logo se animam representações mentais.
E nas representações mentais nos vemos e vemos os outros mortais.
E também vemos o mundo das coisas, o seu entorno, o seu adorno.
Lemos a partitura e extraímos melodias.
E das melodias compomos o hino, o salmo, a sinfonia. O doce prazer de ouvir e repetir.
Lemos a paisagem e é um deleite.
E do deleite se faz a cor de muitas pinturas e o pretexto para outras muitas leituras.
Lemos o bulício das feiras e das festas e desta animação tecemos um negócio, uma estrada, um rio, uma ilusão.
Lemos o luar, a lua, a madrugada. E se canta ou não canta a cotovia.
Depois, desenhamos o tempo e partimos a ganhar o novo dia.
Chova que não chova, faça frio ou calmaria.
Lemos o mar, quando azul ou quando encapelado.
E entramos ou paramos na safra de embarcado.
Lemos a flor, o prado verde, a floresta e buscamos da terra o pão, o vinho, a fresca água, o que nos presta.
Lemos, da mulher, o lábio, o seio túmido, o toque inquieto e daí imaginamos o que imagina a mulher quando lê o forte braço, a estatura, o gesto, a envergadura.
Lemos, olhos nos olhos, para adivinhar segredos.
E no chão dos segredos pensamos, dormimos e sonhamos.
E nos sonhos correm medos e enredos.
E por isso, quase sempre, calamos o que vemos olhos nos olhos.
Que é nos olhos, quando há candura, que sempre se colhe a mais fiel leitura.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

AS ALTERNADEIRAS NA ESCADA DO PODER

Ontem senti uma íntima e profunda vergonha.
Fui a Coimbra, também por razões médicas, e num tempo de descompressão lancei uma
olhada pelos jornais generalistas e nos três especialistas das coisas da bola. Na primeira página de todos os jornais de grande e genérica informação (grande ou pequena?) com chamada à primeira página , e até com título de caixa alta, foi a acareação entre uma marafona e um senhor das coisas da bola…Entre os jornais generalistas encontrei uma excepção…
Eu sei que agora já não há marafonas, nem meretrizes, são trabalhadores de alterne…mas a mudança do significante não lhes alterou a função: alternam, e alternam a preço…Os donos da bola também passaram a gestores de SAD’s, como os contínuos passaram a auxiliares de acção educativa e os negros americanos agora são afro-americanos.
Francamente acho que os cozinheiros também deveriam ser graduados em arquitectos de produção alimentar…e os varredores de rua a técnicos qualificados de saúde pública…
Pessoalmente, agrada-me este trânsito semântico que muda nomes enquanto degrada as realidades que lhes correspondem…É mesmo divertido este jogo de realinhar novos significantes a antigos significados!!!!!!!
Mas a minha íntima e profunda vergonha não ficou por aqui…
Procurei nas folhas dos periódicos indícios do projecto social aplicável dos muitos candidatos a presidentes do Grande (Grande em quê?) partido da oposição. Pois… encontrei picardias, ferroadas, notícias de apoios ( de apoio para poio a diferença é muito reduzida…) fotografias galantes, poses socratinas, serenidades de velha arrumada… mas nem o fio de uma ideia que pudesse indiciar a teia do projecto de que o país precisa.
Sempre alimentei a convicção de que o tempo e o tempero da oposição são exactamente para que se possa ensaiar uma reorganização desse projecto social aplicável, por forma a oferecê-lo, em alternativa à governança, quando for chegado o tempo eleitoral…
As eleições nunca se ganham e sempre se perdem. Se o exercício do poder foi pior que as alternativas oferecidas… vamos ver como é e votamos nas alternativas. É simples questão de bom senso….
Agora se as ofertas de alternativas são ainda mais fracas, mais frágeis mais mixórdia do que aquelas que o poder exerce… É melhor continuar, apesar da pouca sorte…
O partido do poder tem os actos que falam por si, tem demonstrados os quereres e os desejos dum tipo de sociedade.
Esta que vamos tendo é uma droga de íntima e profunda vergonha…
Os pobres pagam a crise e cumprem as leis enquanto os ricos levam vida de sibarita e julgam que a lei é só para os pelintras…
Exemplo berrante é o do Primeiro Ministro, a pessoa mais acerrimamente empenhada nas defesas do ambiente que Portugal já conheceu (foram palavras dele, que eu captei de orelha atenta….) a fumar nos aviões!!!!
O Senhor Primeiro ministro que enjorca um corpo policial para defender a saúde dos consumidores anda a fumar em ambientes fechados. Fechados e críticos…
No casino Estoril vai de Cohíba ou Monte Cristo….Ai não que não vai!!!!…
Entretanto o julgamento dos crimes da Casa Pia não anda nem desanda…
A bola é que é célere porque é importante…..
Francamente…. Acho que há quem esteja a preparar a opinião pública para entregar o poder às Carolinas.
Pelo que os jornais contam são as únicas que merecem crédito….

segunda-feira, 12 de maio de 2008

ERA UMA ESTRELA

Da minha varanda, recolho uma estrela.
Está pregada no firmamento, cintilante, transparente e muito azul.
De tão azul é absolutamente misteriosa
Porque é cintilante é rigorosamente parecida com a tua lembrança luminosa
Eu fico a adular aquele mistério da estrela que vem das bandas do sul.

Ainda quando a noite é quase manhã eu moro no desenho do teu corpo
Tão fixamente
Como quando, indiferente,
Pisavas, com passo divino, o teu caminho
Sob o meu olhar distante, secreto, de adivinho…

O teu corpo dói-me uma dor impossível…
Ainda quando morrer, se eu morrer, vais estar comigo
E com as melodias da pavane de Fauré…

domingo, 11 de maio de 2008

MEU RIO LIMA

Andei contigo pelos meus sítios de nascer e de crescer.
E até ficava muito só na tua ausência.
E até tive uma dor de tristeza. Ou dor de ansiedade, tanto faz.
Queria sempre o teu caminho para atravessar a ponte da minha infância, apetecia-me olhar-te e mirar-te para descobrir o ninho que os patos faziam nas toucas do junco, ou para pesquisar o peixe raro sob as tuas águas límpidas e serenas.
O meu rio é uma prata.
Uma doçura de prata.
O meu rio fala comigo dos meus segredos.
E os meus segredos vão direitinhos para ti.
Só tu sabes os segredos inteirinhos dos meus cinco anos.
Tu imaginas o que eu sentia a ouvir a tua cheia, a ver tua cheia, a atravessar a tua cheia, meu susto de rio, na pequenez dum barco à vara?
A minha mãe rezava às santas todas de todas as seguranças da vida e da morte...
Eu só percebi, ou percebi então, que a vida é frágil e que não importa guardá-la num escaninho como se fosse um trancelim da minha avó.
Foi contigo, meu rio, que aprendi que tudo passa e que nada volta ao que já foi.
Tu rio, o meu rio, rio proibido de nadar, foste uma tentação, uma lição e uma frustração: é por isso que eu nunca aprendi a nadar!!!!
Andaste comigo nas lembranças..
Andas comigo nas lembranças..
Nunca ninguém me ensinou tanto como tu, meu rio.
Nunca ninguém sentiu tanto de ti como eu...

sábado, 10 de maio de 2008

LABRUGE


Ponho o ouvido sobre os silêncios
E abre-se um salmo milenar com sabores de andorinha
E de frutos...em manhã de adolescência.

Há um fim, um destino de sucesso
Neste começo
Desenhado no gesto, num sonho a palpitar
E sempre meditado entre o edredão e o altar

Mas seja qual seja a tentação
Não importa a cor da circunstância
Sempre vem à mente aquele encontro ocasional
Caindo o sol pela tarde
Ali a o pé do mar.

CAMINHADA

Não caminhamos juntos o suficiente
para termos um destino comum.
Também não caminhamos juntos o suficiente
para não termos um destino comum.

O melhor é resolver este dilema
quando o teu vestido novo
tiver quase a minha idade.

A ARTE

A arte não tem nem data nem prazos.
A arte não tem fronteiras nem tempo.
Quando a arte se apodera de nós tem a suavidade amena do rio manso e a força dos vulcões que nunca têm controle ou contenção.
Escrever é pintar, como pintar é cantar a escrita que escrevemos.
Pintar é uma necessidade profunda e incontível de fixar experiências, de narrar viagens ao imaginário, de olhar o mundo do outro lado do mundo.
A criação artística é um acto de invenção, é um espaço de libertação, é a aventura carregada de tédio ou uma alegria de chorar.
Ou será, simplesmente, a forma humilde de enriquecer o quotidiano de cada um.Ainda que o universo seja um casulo de muitas estrelas.
Sempre pela arte chegamos à janela aberta, fugimos do túnel das rotinas do dia-a-dia, entramos na paisagem dum paraíso sem limites.
Com a arte acabam-se os gestos repetidos e nunca mais haverá semanas e meses tristemente iguais.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

E DANÇAM; AS PALAVRAS

As palavras fazem as ambiguidades que são o aloquete para a incerteza dos mistérios.
As ambiguidades nascem insufladas de duas hipóteses.
Não sei se insufladas se prenhes.
As ambiguidades são produtoras e abrem uma rotunda para dois caminhos. São um parto de gémeos.
Na ambiguidade nunca há um ferrolho e portanto nunca sabemos quem persegue ou quem defende.
Quem produz ambiguidades deve saber o que quer.
E quando sabe o que quer deverá querer que o receptor receba, ambiguamente, uma mensagem ambígua.
"Persegue o Zé a Joaquina" é uma perseguição paradoxal. A dupla e, unicamente, dupla perseguição.
É muito bom assim: ficarmos entre perseguir e perseguido.
Porque toda a mensagem é. E é muito melhor se for uma rópia, um corropio incontrolável. Sobretudo quando ninguém controla ninguém.
Quando uma mensagem pode ser duas, o arco da mensagem é muito melhor, mais de sabores, muito mais de valores.
Além de mais abundante e divergente promove a perplexidade.
E no campo de tantas muitas certezas, a perplexidade é inevitavelmente razoável.
Nesta feira de saberes certos só a perplexidade pode não ser um embaraço. Ou então o embaraço é a única certeza, mas que ninguém compra. As pessoas o que querem é a estabilidade que não há.
Toda a mensagem é. Enquanto é produz efeitos. Na decifração dos efeitos está a leitura da mensagem.
Se uma mensagem produz um único e certo efeito é sinal que não presta: é igual a pão, pão; queijo, queijo!!!
Quando ambígua é rica e não tem o dedo apontado.
Mas óptima, mesmo óptima, no limite das palavras,
é a mensagem polissémica, que pode produzir efeitos discrepantes e baralhar as ideias:
“Como eu gostava de te oferecer uma estrela!”

quinta-feira, 8 de maio de 2008

COMO SE APRENDE


Aprendo, todos os dias, que devo ser criança.
Aprendo que se aprende errando
Que crescer não significa fazer anos
Que o silêncio ou o riso são a melhor resposta para a asneira.
Aprendo que trabalhar não significa ganhar dinheiro e que dinheiro muito menos significa felicidade.
Aprendo que os sonhos andam por aí para serem alcançados por quem é mais corajoso e mais jovial.
Aprendo que conquistamos amigos quando nos mostramos como somos
E que somos verdadeiramente amigos quando conseguimos estar absolutamente nus perante o próximo.
Em seguida os amigos riem connosco, choram connosco, ficam juntos connosco até ao fim.
Também aprendo que pode haver maldade escondida em qualquer lado
E que a felicidade não existe se não for procurada.
Aprendo que quando julgo saber tudo é prova absoluta de que não sei nada.
Aprendo que é a natureza que deve comandar a vida
E que amar é uma entrega, um abandono, um esquecer de passados, um presente sem projectos.
É por isso que um só dia pode ser mais importante que muitos anos.
E, então, todos os dias há tempo para conversar com as estrelas e com a lua
Para olhar o sol apesar das nuvens.
Só este tempo dá para viajar até ao infinito onde sempre um sonho azul nos abre janelas doiradas sob um jardim imprevisto
Donde volto sempre e outra vez criança tão contente e inocente como quando era livre e justo como as flores.