domingo, 25 de outubro de 2009

O PODER COMPRAR

Por vezes apanhamos de raspão um dito, uma boca, um bocejo, e porque ele nos cai no ouvido vindo dum agente noticioso, logo fazemos disso uma notícia. Ainda que a notícia possa parecer estranha vinda duma fonte inabitual. Ainda que a notícia corresponda ao óbvio...
É que neste país o óbvio raramente tem crédito...
Tão habituados que estamos aos paradoxos que escorrem do sistema judicial, do sistema educativo, dos procedimentos fiscais,dos fabulosos sucessos da bola, sobretudo, dos poderosos que fazem mexer a máquina económica desta terrinha que ficamos boquiabertos com a sensatez...
Ai esta terrinha... que até é a 10ª potência mundial no futebolismo, que se encalacrou na organização dum campeonato europeu e que persiste na organização dum MUNDIAL...
E tudo abençoado pelos governos. E tudo com bondoso acordo dos teóricos das economias e com o beneplácito dos agentes operacionais do comprar e vender...
Pois neste pais de paradoxos trespiou-me uma afirmação vinda dum alto poder (Amorim? Belmiro? só poderia ser um deles...) Pois o alto poder sustentava, imaginem o sacrilégio económico cometido perante o papa Constâncio, o alto poder sustentava que "se não há dinheiro, não pode haver consumo. SE não houver consumo o comércio não vende. Se o comércio não vender também não compra. SE o comércio não comprar as fábricas não têm para quem produzir. E então teremos que fechar as portas..."
Haverá juízo económico mais óbvio, mais transparente, mais sério?
Tenho impressão que o DR. Vitor Constâncio pode guardar as suas cartilhas perante um padre nosso tão singelo... Eu, cá por mim, já aderi a este credo. E vou ser apóstolo desta religião económica... Tem que haver um caminho que não ponha os ricos a abarrotar de bens supérfluos e deixe os pobrse com fome na esquina da rua, ou envergonhados na sua casota....
SR. Dr Constâncio, o senhor não quer experimentar viver, só um ano, com o salário mínimo?
Ou então, passe para cá o seu cartão de crédito, e fique com os meus encargos...e com o meu vencimento...
Zé Candido

sábado, 24 de outubro de 2009

PARA UMA AMIGA COM MEDO DE CAIM

Para uma amiga com medo de CAIM


Como, certamente viste, e com a atenção que sabes pôr naquilo em que acreditas, O Padre Carreira das Neves não se mostrou ofendido com o que o Saramago escreveu.
Esqueceu e escrutinou com muita astúcia ( a astúcia de quem sabe…) as referência ao Cântico dos Cânticos.
E sobre o cântico dos Cânticos, repara só nesta
passagem do capítulo 5:
”Venha o meu amado para o seu jardim /
e coma o fruto das suas macieiras./
Eu vim para o meu jardim, irmã minha esposa/
colhi a minha mirra com os meus perfumes;/
comi o favo com o meu mel;/
bebi o meu vinho como meu leite./
Comei amigos e bebei,/
e embriagai-vos ,caríssimos..”
podes tirar daqui as mais variadas leituras. É um texto bíblico carregado de poesia, mas que tem subjacente os prazeres, todos os prazeres, e toda a legitimidade para gozar os prazeres…
E no Eclesiastes, todo o seu capítulo 6 está subordinado ao tema que encabeça o capítulo: INFELICIDADE DO QUE MORRE SEM TER GOZADO OS SEUS BENS…
Como vês, cara amiga, a Bíblia é um manancial de divertidas paródias e de incongruentes testemunhos..
A sua leitura terá que ser feita à luz duma lei primeira que se traduz na “Conservação da Espécie Humana”…A bíblia é uma oratura e não uma escritura. A escrita estava muito longe de ser inventada e era a tradição oral que sustentava a história…
Acredita. Pensa bem para que possas acreditar Ou então vai aos textos e faz sobre eles a reflexão….( se o termo te cheira a racionalismo, faz uma meditação…) e vais ficar surpreendida com os tortuosos caminhos de deus…
Um beijo
Zé Candido

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

CAIM E SARAMAGO

Caríssimos,

Não me espanta a reacção daqueles que têm a religião cristã como única verdadeira. Quero, todavia, lembrar-vos que a verdade ,toda a verdade, é dogmática e exclusiva… Mas ainda mais perigosa que a intangível verdade é a sacralização, ou divinização, duma qualquer crença…
Tenho muito pudor, tenho até medo, em falar das crenças…
É que eu sou ateu puro e definitivo desde há muitos anos. Ateu e absolutamente tolerante…
Não quero vir em defesa do Saramago porque não lhe gosto do estilo e muito menos lhe aprecio os oportunismos… Porém, neste caso, no CAIM, são vocês que provocam um estrépito que o ajuda a vender mais e mais livros…
Conhecem vocês a BIblia? Eu conheço muito bem o PENTATEUCO… e garanto-vos, que é para mim, o melhor livro de anedotas…
Dos Génises, onde logo -logo vamos encontrar o Noé bêbado e um dilúvio menor do que as cheias do Ribatejo… Depois, por aí encontrarmos um Abraão, que, porque a mulher legítima não lhe dava filhos, Deus lhe permitiu que fizesse um filho na escrava AGAR ( donde provêm os agarenos…de “ os Lusíadas..) Esse filho foi Ismael que caminhou para “áfricas” dando origem os núbios… Mas deus não conseguiu prever que SARA, a legítima mulher de Abraão, concebesse aos 100 (CEM) anos um filho varão.. Foi Isaac. E ISAAC deu continuidade ao povo de deus……. Isaac teve dois filhos ESAÚ e JACÓ. E foi por golpes palacianos e um prato de lentilhas, que Jacó caçou o trono de Israel , de Abraão, de Isaac…. não fosse entregue ao primogénito ESAÚ ma antes a Jacó, onde as vossas crenças, como as da samaritana, vão beber…
E não digo mais nada…. Façam como faço. Toca a ler a Bíblia e riam-se.
A propósito, Sabem quando Galileu foi condenado a desdizer toda a teoria heolicêntrica a favor da virtuosa teoria geocêntrica? Isto perante uma fila de sábios cardeais que o mandariam para a fogueira por ignomínia? Em 1642…..
E sabem agora quando a Igreja Católica arquivou o processo contra Galileu? Em 1998, com o Papa João Paulo II….. Nâo é de Rir?

É claro que as suras do Alcorão são igualmente belas…Leiam só a sura das mulheres… e rebolem-se de riso…

Ser racionalista é perigoso, tem custos elevados, e ata e desata consciências. Mas eu sou assim. Sempre a epistemologia a guiar o pensamento…. E é por isso que não gosto de me pronunciar sobre as irracionais…questões de fé….
ABREIJOS ( são beijos e abraços…)
Zé Candido

terça-feira, 12 de maio de 2009

EXAME PARA EDUCADORES DE INFÂNCIA

É no contexto específico da promoção dos educadores de infância e professores do primeiro ciclo do regime original ao nível de licenciados que surgem os chamados “Cursos de Complemento de Formação” para educadores de infância e professores do primeiro ciclo.
Estes “ Cursos de Complementos de Formação”, tendo muito embora objectivos confessos de natureza pedagógica, visam um efeito prático meramente, ou marcadamente adminitrativo: conferir a quem os frequenta o acesso ao décimo escalão no quadro da função docente.
Este expediente pedagógico transformou ou transforma, em licenciados teóricos os educadores de infância cuja formação de base não corresponde a mais de 12 anos de escolaridade, somados que sejam os dois anos nas escolas de educadores de infância ou do magistério primário ao antigo 5º liceal.
É indiscutível verdade que um ano de formação, ainda que intensiva, nunca consegue suprir os défices estruturais duma aprendizagem lenta e convenientemente sedimentada. É claro que também é indiscutível verdade trazer o exercício profissional um acervo de saberes, centrados particularmente nos domínios práticos, saberes que facilitam os desempenhos mas que também podem viciar em rotinas e cortar os caminhos para atitudes reflexivas perante diferenças.
Mas no caso em apreço não podemos sequer falar dum ano intensivo porque os cursos não funcionam senão nas tardes de sexta-feira e nos dias de sábado. Nestas circunstâncias impossível se nos afigura que haja hipótese de oferecer a esses docentes os dotes meritórios que justificariam, justificam, ou venham a justificar a substância duma licenciatura…
Não vale alimentar ilusões e é forçoso avaliar à partida os objectivos e a funcionalidade de cada cadeira para que tudo seja útil e para haja pertinência nos aprendizados. Nunca deixamos e nunca deixaremos de definir primeiro para que depois possamos decidir segundo modelos de conveniência....
Assim foi que não encontramos utilidade, nem pertinência, e muito menos viabilidade, na memorização automatizada de conceitos alheios à operacionalidade da língua. Toda a aprendizagem se deve fazer segundo regras de contiguidade e em situação pragmática porque sempre e só aprendemos o que é útil e tem préstimo.
Foi assim que deliberamos, juntamente com os educadores-discentes, viajar pelas diversas épocas da literatura e da cultura portuguesas procurando uma explicação dialéctica para fundar, segmentar e desconstruir cada um dos períodos epocais da história cultural e literária no caminhar da lusofonia
Levantamos causas e razões para organizar e decompor a Idade Média, o Renascimento e o Barroco, o Romantismo, o Realismo e o Naturalismo, os precipitados e incontroláveis movimentos do sec. XX...
Ousando estes caminhos e pisando o chão de textos antológicos procuramos incitar os educadores-discentes à descoberta, à ruptura com as rotinas quotidianas, à pesquisa do novo e do diferente, ao corte epistemológico.
Entretanto, e concomitantemente, fomos explicando as estruturas e os modelos de aplicação das diversas linguagens, da língua e da fala.
Procuramos sempre que a cadeira de Atelier do Português fosse um campo de oportunidades de expressão e de aplicação dos domínios úteis e pertinentes da actividade profissional...
Sugerimos, indiciamos, promovemos pesquisas, desafiamos para a exposição e discussão de temas presentes e passados, provocamos e desafiamos. Nunca as aulas da cadeira de Atelier de Português deixaram de ser um espaço e um tempo de provocação enquanto procurávamos que as aulas fossem um deleite sobre os textos quer no conteúdo quer na forma.
A convicção que nos foi ficando era a de um entusiasmo generalizado fincados que fomos estando na espontânea, livre e eficaz opinião de alguns dos discentes...
Mas tivemos, obviamente, que organizar um modelo docimológico que vai muito para além (ou que fica muito aquém) da prática avaliativa que se vai fazendo momento a momento.
Deliberamos que a resultante significada na nota final dependeria da notação produzida sobre um exame de frequência, sobre um trabalho de grupo, e, obviamente, sobre o desempenho que cada discente iria tendo, e como ia tendo, durante os procedimentos lectivos...não fosse a cadeira um Atelier de Português!
A notação que atribuímos ao exame de frequência (nunca deixa de existir uma grande subjectividade nas ciências humanas; esse subjectividade acresce quando as ciências se deixam envolver pelas teias da humana arte...) procurou ser objectiva e traduzir um parecer certo do trabalho apresentado enquanto tal. Todavia, o conteúdo e a qualidade formal careceriam sempre dum desempenho posterior que provasse e comprovasse a autenticidade e a autoria dos textos recebidos. Com efeito, os temas dados para uma escolha no exame de frequência foram previamente indicados ou indiciados....
Queríamos, (e sempre quereremos), que os alunos se devotem muito mais à pesquisa, à descoberta, à prática relevante da dúvida metódica do que à reprodução estupidamente mecânica de conceitos ou noções fixadas sem nexo de razoabilidade. Este propósito parece-nos correcto, mas não temos dúvida que todos os alunos trouxeram os textos entregues já elaborados como trabalho de casa....
E foi assim que apresentamos o seguinte exame de frequência:

Complemento de Habilitação do Curso de Educadoras de Infância
TURMA C
Exame de Frequência de Atelier de Língua Portuguesa
Fevereiro de 2004

As questões que lhe são propostas são de diversa natureza mas têm sempre como pressupostos prévios os conteúdos avançados na aulas e a experiência profissional e cada um.
Vai responder, necessariamente, a duas das questões formuladas, mas pode, numa perspectiva de evidenciar conhecimentos, responder às questões que entender.
São permitidas todas asa consultas, mas não são toleradas as trocas de opinião.
Podem dispor do tempo até ao limite de 3 horas.
Eis as questões:
1- Olhe o Velho do Restelo e “Os Lusíadas”. Que leituras sabe fazer daquela personagem e daquele episódio?
2- Dê a sua fundamentada opinião sobre esta formulação antitética; “Amar é Educar” ou “Educar é Amar”
3- Faça a sua reflexão e a sua opção sobre este juízo que encontramos num soneto de Camões: “ Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança
Porque tudo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades”
4- Formule o seu melhor comentário sobre o filme visionado na aula: “ O menino Selvagem” de François Truffaut.
5- Coloque-se no contexto sócio-político do Portugal do sec. XVI ( urbano ou rural) e, convalidando o seu saber profissional de hoje, diga-nos como poderia intervir no processo de educação de infância àquela época.
6- “Linguagem”, “Língua” e “Fala”. Que significados e que procedimentos podem ter para si no quotidiano profissional?
7- Pode ainda produzir um texto de natureza poética que traduza muito do que tenha recolhido na sua vida profissional a lidar com as leituras poéticas que as crianças sempre sabem fazer da realidade envolvente.
Não esqueça que a qualidade formal dos textos é valorizada até 50%. Não hesite n uso de figuras de pensamento e figuras de gramática. Busque a beleza do texto. Tenha prazeres na escrita.

José Cândido Rodrigues



Foram ainda produzidos dez trabalhos em grupo. O objectivo deste tipo de trabalho continuou a ser o incitamento à pesquisa seguido de auto-reflexão.
A qualidade dos trabalhos variou como variou a notação atribuída.
A cada aluno integrado no grupo implicado num certo trabalho foi atribuída a mesma notação. A notação era para o trabalho enquanto tal, como já tinha acontecido com o exame de frequência.
Não ignoramos, porém, que os contributos dos elementos de cada grupo foram muito diferentes em qualidade e quantidade. Sempre assim acontece e não há forma de diferenciar méritos e competências...
Os desempenhos nas aulas constituíram a informação com maior e mais segura fiabilidade. O aluno teve no espaço das aulas toda as hipóteses de se afirmar, de ripostar, de responder aos questionamentos incessantes que sempre procuramos.
Somos, também natureza, um provocador que requer opiniões, que gosta do contraditório, que procura abrir e estimular o debate. A muitos dos alunos nunca lhes ouvimos a voz, nunca lhes apreciamos o gesto, nunca deles tivemos, sequer, retorno numa linguagem quinésica.
O nível das notações finais no processo docimológico peca, e peca gravemente por ser demasiado elevado. Mas fomos nós que estabelecemos esse patamar para não marcar diferenciações no contexto global de notas dadas nestes cursos adentro do Instituto Piaget.



José Cândido Rodrigues

domingo, 3 de maio de 2009

O MEU LIVRO

O Livro não faz a feira; faz a festa.
O livro é a relação da pessoa consigo e da gente com a História
O livro escreve-se com a vida: alegrias e mágoas, sabedorias e técnicas, imagens, batalhas e números tecem os fios da escrita para fazer o livro.
No livro, as palavras descansam na pureza original:
Não têm cor, nem voz, nem paisagem vegetal, Nem sequer urbano ruído
O Livro nasce e fica, no silêncio da paz
Mas misteriosamente disponível para uma doce ressurreição
Ou para a turbulência duma explosão.
Então, o livro abre-se
E cada um tira do livro os traços necessários e as linhas convenientes
Para aprender as pessoas e as coisas…
E um mundo eterno reside na página da escrita
E a história do passado nasce terna, menina e turbulenta no tempo da leitura
E tudo deve acontecer na mais contida intimidade, ou na paisagem mais pura
Para que tudo se desprenda e se liberte num Outono sem tempo nem espaço
O livro é a plenitude das memórias na festa dos silêncios.
Quotidianamente….

segunda-feira, 27 de abril de 2009

CARAMIURU EM VIANA

Caramuru é um mito. E "o mito é o nada que é tudo". Dizia Pessoa.
O local do nascimento não põe nem tira coisa alguma: é sempre uma questão técnica, ou de conveniência, ou de simples acaso... Ou não é assim?
Caramuru terá sido um viajante à procura de fêmeas, práticas que não dezabonam o mito do seu recente nascimento enquanto mito.
O padre Costa de Trancoso, em 53 mulheres, conseguiu filharada que quase chegava à três centenas. A injusta justiça condenou-o `a morte e depois a ser desfeito, arrastado por uma mula. Mas havia um rei que era Príncipe Perfeito ( D. João II)que não só suspendeu a pena, mas lhe louvou o contributo para o povoamento daquela despovoada região da Beira Alta.
Lá, nas terras de Trancoso, onde a Mofina Mendes de mestre Gil iria fazer fortuna como feirante, não há estátuas do Padre Costa. Só do Bandarra, que era profeta à maneira da Pitonisa: dava sentenças tão metafóricas que tanto resultavam em tinto ou em branco: era vinho e pronto. Deixemos Trancoso e vamos até à praça da República....
A nossa PRAÇA DA REPÙBLICA tem uma harmonia tão complexa e tão original que, mandaria o bom senso, nunca tocar alí sem extremo, e sempre duvidoso, escrúpulo estético...
Ora, o que me parece ter acontecido, foi meter um solo do Quim Barreiros entre o hino à liberdade do coro da 9ª sinfonia de Bethoven...
Não tenho nada contra o Quim Barreiros (malandro que não considero pimba...) nem contra o Caramuru que despertou amores e fez povoar a região da Bahia... Antes pelo contrário: até gostava de o aplaudir já que não é tempo de o imitar... Mas aquele "poio" na PRAÇA DA REPÙBLICA é abusar do nosso sentido estético e ultrajar o bom senso...

domingo, 18 de janeiro de 2009

SACRISTIA OU ICONOSTÀCIO

Nasci quando era uma sexta-feira.
Quase noite.
E porque já era quase noite minha mãe estava em casa.
Não me lembro do orgasmo do meu pai, nem de mamar, de chorar de usar fraldas e de ter chupeta.
Lembro-me dos caracóis louros e de andar de bicicleta com o meu pai.
E também me lembro de, com ele, jogar à cabra-cega e de andar à bulha.
Eu ganhava sempre porque ficava sempre por cima.
O meu pai ensinava-me a escrever com lápis americanos porque o avô os mandava da América.
Não sei bem se aprendi mas quando me lembro das coisas já sabia escrever.
Depois, quando tinha cinco anos, o meu pai morreu.
Sei que da minha não tenho boas lembranças.
Era tão benta e beata que queria que eu fosse padre.
E batia-me porque eu gostava mais da minha vizinha do que de ser padre…

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

BOCAGE, ALMA SEM MUNDO

Bocage

Faz hoje anos que tu te foste embora
Tu não devias ter o direito de morrer.
Nem imaginas como farias falta no meio desta choldra
Que povoa a tua perversa capital
3/12

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O MEU LIVRO

O Livro não faz a feira; faz a festa.
O livro é a relação da pessoa consigo e da gente com a História
O livro escreve-se com a vida: alegrias e mágoas, sabedorias e técnicas, imagens, batalhas e números tecem os fios da escrita para fazer o livro.
No livro, as palavras descansam na pureza original:
Não têm cor, nem voz, nem paisagem vegetal, Nem sequer urbano ruído
O Livro nasce e fica, no silêncio da paz
Mas misteriosamente disponível para uma doce ressurreição
Ou para a turbulência duma explosão.
Então, o livro abre-se
E cada um tira do livro os traços necessários e as linhas convenientes
Para aprender as pessoas e as coisas…
E um mundo eterno reside na página da escrita
E a história do passado nasce terna, menina e turbulenta no tempo da leitura
E tudo deve acontecer na mais contida intimidade, ou na paisagem mais pura
Para que tudo se desprenda e se liberte num Outono sem tempo nem espaço
O livro é a plenitude das memórias na festa dos silêncios.
Quotidianamente….

MUDAR ATÉ MORRER

Hoje é um dia de dizer adeus.
É um dia de dizer que amanhã o encontro será outro.
Esta fonte seca agora.
Seca, mesmo quando neva, porque é preciso mudar. E mudar faz bem:
mudar encanta, fascina,
abre para a aventura.
Na natureza tudo é sempre inicial e novo.
Tudo sempre diferente…
Verdadeiramente só o novo dá prazer.
Nada, mas nada, resiste ao prazer por largo tempo.
Pior que tudo é a rotina: uma repetição mole, pastosa, sucessiva e fedorenta.
Nada é genial quando se repete.
A repetição é tão vulgar quanto insuportável.
Sobretudo quando insiste em repetir-se.
A mudança é tão virtuosa quanto dolorosa.
Mais violenta que a mudança é o fim.
O fim atormenta, às vezes apavora…
Sempre que se aproxima o fim de um século, nascem profetas, crepitam sinais, germinam psicoses de “ Fim do Mundo”.
Para o fim do supercivilizado milénio o fenómeno teve o seu pânico incendiado por terras da Coreia…. Não pegou.
A Coreia não pega nada. Quem pega são os States.
Pegam a crise financeira que vai pôr fim a um sistema.
Verdade que este fim já demorava; mesmo assim dói…
Dói mesmo se o futuro é, garantidamente, melhor e mais bonito!
Acabar é fechar um tempo.
E concluir um ciclo.
É liquidar uma esperança
Acabar é sempre morrer um pedaço1

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

MINHAS AMIGAS

Voei sobre as guerras até ao corpo das árvores.
As árvores são sempre o corpo confortável porque têm um tronco seguro como nenhum humano.
Nunca vi que árvores escondessem enigmas no seio do tronco.
Sempre as árvores florescem à procura do fruto e sempre me abrigam das intempéries.
Muito mais meigamente e tão dialecticamente como a melhor filosofia.Até penso que as árvores me conhecem e sabem que gosto delas...
Depois, as árvores são diversas.
Sempre muito tão diversas que parecem encomendadas e feitas à minha semelhança.
O meu diálogo com as árvores é quotidiano.
Com o ficus converso todas as manhãs durante o duche. Sabe dos meus segredos matinais, dos meus projectos para o dia, das minhas frustradas paixões e desejos.
Não deixo crescer o meu ficus para que ele nunca fale.
É o meu bonzai. Tão bonzai ainda mais que a Beatriz.

A esta hora não quero falar com pessoas!

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

MAIS LIVRE QUE A GATA

Anda perdido o rosmaninho!
Também, se não andasse perdido, não seria rosmaninho...É o maninho que lhe dá o rosto, a face, o olhar, o perfume...
A outra dimensão que a alfazema não conhece, nem suspeita, nem assume,
Porque é planta afeita a maneiras de elegâncias.

O monte maninho era sítio para onde a mais antiga das minhas madrinhas enviava as trovoadas, levadas que eram pela graça de santa Bárbara.
No maninho não havia pão nem vinho, nem rasto de mulher pelo caminho.
No maninho abunda o azevinho, o rosmaninho os bichos de conta as trepas de espinho
E também escramboeiros agrestes e rafeiros
De que o meu avô fazia pereiras variadas cravando-lhes uma porrada de enxertos.

Maninho sou, sem eira nem beira, sem tecto, sem amparo de mulher casada.
É assim que eu gosto: eu mais a minha gata, tão libertina como eu...

Melhor, muito menos libertina do que eu, porque, impiedosamente, a mandei castrar…

INCORREGÌVEL

Sei que nunca veremos no oceano a onde sobre a onda
E que nunca teremos um chão de areia para escrever castelos
Sei que numa concha se esconde o mistério para sempre
E que o navio na linha do horizonte é para outros navegantes
E sei que o pensamento há-de ser o concreto e definitivo bosque da nossa perdição.

EntretantoPerdi as lembranças.
Devem ter voado ao som da maresia
Que nesta hora tardia
Só tem uma estrela a marcar o norte…
Mas eu não entendo de estrelas

Quando for amanhã venho de candeia acesa….

PARA O ANO QUE HÀ-DE VIR

Reza comigo uma oração em louvar do mar
Depois
vem comigo meditar na floresta entre o rumor das árvores.
E correr. Correr à procura dum cantar antigo
coberto de sol e de uvas maduras.
E sob esse cantar
ficaremos sem rumo e sem leste
durante a noite
que amena faremos de perfumes e sabores.

domingo, 4 de janeiro de 2009

A NOITE É UN CASTELO LENDÁRIO

Desço por entre os aromas maduros de Outono
E,
Ao sabor do teu perfume, Embala-me uma tontura afrodisíaca.

À noite procuro a lampadário dos teus olhos