terça-feira, 12 de maio de 2009

EXAME PARA EDUCADORES DE INFÂNCIA

É no contexto específico da promoção dos educadores de infância e professores do primeiro ciclo do regime original ao nível de licenciados que surgem os chamados “Cursos de Complemento de Formação” para educadores de infância e professores do primeiro ciclo.
Estes “ Cursos de Complementos de Formação”, tendo muito embora objectivos confessos de natureza pedagógica, visam um efeito prático meramente, ou marcadamente adminitrativo: conferir a quem os frequenta o acesso ao décimo escalão no quadro da função docente.
Este expediente pedagógico transformou ou transforma, em licenciados teóricos os educadores de infância cuja formação de base não corresponde a mais de 12 anos de escolaridade, somados que sejam os dois anos nas escolas de educadores de infância ou do magistério primário ao antigo 5º liceal.
É indiscutível verdade que um ano de formação, ainda que intensiva, nunca consegue suprir os défices estruturais duma aprendizagem lenta e convenientemente sedimentada. É claro que também é indiscutível verdade trazer o exercício profissional um acervo de saberes, centrados particularmente nos domínios práticos, saberes que facilitam os desempenhos mas que também podem viciar em rotinas e cortar os caminhos para atitudes reflexivas perante diferenças.
Mas no caso em apreço não podemos sequer falar dum ano intensivo porque os cursos não funcionam senão nas tardes de sexta-feira e nos dias de sábado. Nestas circunstâncias impossível se nos afigura que haja hipótese de oferecer a esses docentes os dotes meritórios que justificariam, justificam, ou venham a justificar a substância duma licenciatura…
Não vale alimentar ilusões e é forçoso avaliar à partida os objectivos e a funcionalidade de cada cadeira para que tudo seja útil e para haja pertinência nos aprendizados. Nunca deixamos e nunca deixaremos de definir primeiro para que depois possamos decidir segundo modelos de conveniência....
Assim foi que não encontramos utilidade, nem pertinência, e muito menos viabilidade, na memorização automatizada de conceitos alheios à operacionalidade da língua. Toda a aprendizagem se deve fazer segundo regras de contiguidade e em situação pragmática porque sempre e só aprendemos o que é útil e tem préstimo.
Foi assim que deliberamos, juntamente com os educadores-discentes, viajar pelas diversas épocas da literatura e da cultura portuguesas procurando uma explicação dialéctica para fundar, segmentar e desconstruir cada um dos períodos epocais da história cultural e literária no caminhar da lusofonia
Levantamos causas e razões para organizar e decompor a Idade Média, o Renascimento e o Barroco, o Romantismo, o Realismo e o Naturalismo, os precipitados e incontroláveis movimentos do sec. XX...
Ousando estes caminhos e pisando o chão de textos antológicos procuramos incitar os educadores-discentes à descoberta, à ruptura com as rotinas quotidianas, à pesquisa do novo e do diferente, ao corte epistemológico.
Entretanto, e concomitantemente, fomos explicando as estruturas e os modelos de aplicação das diversas linguagens, da língua e da fala.
Procuramos sempre que a cadeira de Atelier do Português fosse um campo de oportunidades de expressão e de aplicação dos domínios úteis e pertinentes da actividade profissional...
Sugerimos, indiciamos, promovemos pesquisas, desafiamos para a exposição e discussão de temas presentes e passados, provocamos e desafiamos. Nunca as aulas da cadeira de Atelier de Português deixaram de ser um espaço e um tempo de provocação enquanto procurávamos que as aulas fossem um deleite sobre os textos quer no conteúdo quer na forma.
A convicção que nos foi ficando era a de um entusiasmo generalizado fincados que fomos estando na espontânea, livre e eficaz opinião de alguns dos discentes...
Mas tivemos, obviamente, que organizar um modelo docimológico que vai muito para além (ou que fica muito aquém) da prática avaliativa que se vai fazendo momento a momento.
Deliberamos que a resultante significada na nota final dependeria da notação produzida sobre um exame de frequência, sobre um trabalho de grupo, e, obviamente, sobre o desempenho que cada discente iria tendo, e como ia tendo, durante os procedimentos lectivos...não fosse a cadeira um Atelier de Português!
A notação que atribuímos ao exame de frequência (nunca deixa de existir uma grande subjectividade nas ciências humanas; esse subjectividade acresce quando as ciências se deixam envolver pelas teias da humana arte...) procurou ser objectiva e traduzir um parecer certo do trabalho apresentado enquanto tal. Todavia, o conteúdo e a qualidade formal careceriam sempre dum desempenho posterior que provasse e comprovasse a autenticidade e a autoria dos textos recebidos. Com efeito, os temas dados para uma escolha no exame de frequência foram previamente indicados ou indiciados....
Queríamos, (e sempre quereremos), que os alunos se devotem muito mais à pesquisa, à descoberta, à prática relevante da dúvida metódica do que à reprodução estupidamente mecânica de conceitos ou noções fixadas sem nexo de razoabilidade. Este propósito parece-nos correcto, mas não temos dúvida que todos os alunos trouxeram os textos entregues já elaborados como trabalho de casa....
E foi assim que apresentamos o seguinte exame de frequência:

Complemento de Habilitação do Curso de Educadoras de Infância
TURMA C
Exame de Frequência de Atelier de Língua Portuguesa
Fevereiro de 2004

As questões que lhe são propostas são de diversa natureza mas têm sempre como pressupostos prévios os conteúdos avançados na aulas e a experiência profissional e cada um.
Vai responder, necessariamente, a duas das questões formuladas, mas pode, numa perspectiva de evidenciar conhecimentos, responder às questões que entender.
São permitidas todas asa consultas, mas não são toleradas as trocas de opinião.
Podem dispor do tempo até ao limite de 3 horas.
Eis as questões:
1- Olhe o Velho do Restelo e “Os Lusíadas”. Que leituras sabe fazer daquela personagem e daquele episódio?
2- Dê a sua fundamentada opinião sobre esta formulação antitética; “Amar é Educar” ou “Educar é Amar”
3- Faça a sua reflexão e a sua opção sobre este juízo que encontramos num soneto de Camões: “ Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança
Porque tudo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades”
4- Formule o seu melhor comentário sobre o filme visionado na aula: “ O menino Selvagem” de François Truffaut.
5- Coloque-se no contexto sócio-político do Portugal do sec. XVI ( urbano ou rural) e, convalidando o seu saber profissional de hoje, diga-nos como poderia intervir no processo de educação de infância àquela época.
6- “Linguagem”, “Língua” e “Fala”. Que significados e que procedimentos podem ter para si no quotidiano profissional?
7- Pode ainda produzir um texto de natureza poética que traduza muito do que tenha recolhido na sua vida profissional a lidar com as leituras poéticas que as crianças sempre sabem fazer da realidade envolvente.
Não esqueça que a qualidade formal dos textos é valorizada até 50%. Não hesite n uso de figuras de pensamento e figuras de gramática. Busque a beleza do texto. Tenha prazeres na escrita.

José Cândido Rodrigues



Foram ainda produzidos dez trabalhos em grupo. O objectivo deste tipo de trabalho continuou a ser o incitamento à pesquisa seguido de auto-reflexão.
A qualidade dos trabalhos variou como variou a notação atribuída.
A cada aluno integrado no grupo implicado num certo trabalho foi atribuída a mesma notação. A notação era para o trabalho enquanto tal, como já tinha acontecido com o exame de frequência.
Não ignoramos, porém, que os contributos dos elementos de cada grupo foram muito diferentes em qualidade e quantidade. Sempre assim acontece e não há forma de diferenciar méritos e competências...
Os desempenhos nas aulas constituíram a informação com maior e mais segura fiabilidade. O aluno teve no espaço das aulas toda as hipóteses de se afirmar, de ripostar, de responder aos questionamentos incessantes que sempre procuramos.
Somos, também natureza, um provocador que requer opiniões, que gosta do contraditório, que procura abrir e estimular o debate. A muitos dos alunos nunca lhes ouvimos a voz, nunca lhes apreciamos o gesto, nunca deles tivemos, sequer, retorno numa linguagem quinésica.
O nível das notações finais no processo docimológico peca, e peca gravemente por ser demasiado elevado. Mas fomos nós que estabelecemos esse patamar para não marcar diferenciações no contexto global de notas dadas nestes cursos adentro do Instituto Piaget.



José Cândido Rodrigues

domingo, 3 de maio de 2009

O MEU LIVRO

O Livro não faz a feira; faz a festa.
O livro é a relação da pessoa consigo e da gente com a História
O livro escreve-se com a vida: alegrias e mágoas, sabedorias e técnicas, imagens, batalhas e números tecem os fios da escrita para fazer o livro.
No livro, as palavras descansam na pureza original:
Não têm cor, nem voz, nem paisagem vegetal, Nem sequer urbano ruído
O Livro nasce e fica, no silêncio da paz
Mas misteriosamente disponível para uma doce ressurreição
Ou para a turbulência duma explosão.
Então, o livro abre-se
E cada um tira do livro os traços necessários e as linhas convenientes
Para aprender as pessoas e as coisas…
E um mundo eterno reside na página da escrita
E a história do passado nasce terna, menina e turbulenta no tempo da leitura
E tudo deve acontecer na mais contida intimidade, ou na paisagem mais pura
Para que tudo se desprenda e se liberte num Outono sem tempo nem espaço
O livro é a plenitude das memórias na festa dos silêncios.
Quotidianamente….