quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

CATIVO DO NATAL

Esse tal de dia de natal começa a manietar-me…
E eu não gosto de ficar prisioneiro. Nem sequer das minhas opiniões, ou das minhas leituras, ou dos meus juízos.
Ser livre é não ter espaço nem tempo.
Nada melhor que a minha liberdade sem adjectivos…
E saber- me-ia muito bem, absolutamente bem, nesse dia, em que todos estão ligados pelos vínculos das circunstâncias, eu ficar só, ter plena consciência de ser diferente, de ser um vadio solitário.
Então, poderia experimentar o raro privilégio de me expandir até aos limites do meu imaginário.
É que, estando absolutamente só, sou absolutamente livre para estar com quem me apetece. Quanto eu gosto dum tempo em que todos me deixam espaço para que eu possa viajar pelo imenso infinito.
Até posso ter-te a meu lado, podes dormir teu sono no meu colo, podes sonhar o teu sonho ébrio, a aventura planetária na loucura da música que só eu saberei fazer para ti. Poderás acusar-me de eu viver ancorado nas memórias ou nas fantasias do surrealismo. Eu prefiro as memórias. Sobretudo as memórias que nunca foram. As memórias imaginárias. AS memórias que eu, e só eu, saberei tecer de cada momento pleno, inteiro, maior que o universo….
Mas os filhotes mandam em mim. E se podemos, e devemos, questionar os pais….já não poderemos desobedecer aos filhos.
Vou andar de Anais para Caifais quando só queria estar com a minha música dentro das lembranças, ou com o sonho das lembranças dentro da música. E tudo recheado dum tempo sóbrio e natural, amparado unicamente e materialmente num queijinho tenro e exótico, que poderia ser de Azeitão, e num vinho capitoso e atrevido das margens do meu Douro…
Tudo o resto seria espaço para um sonho sublime.
Que todas as noites te sejam grandes como esta…
Um abraço tonto

sábado, 20 de dezembro de 2008

CRONICA DE BURROS ANTIGOS

E não fique ninguém preocupado que não estamos a procurar qualquer referência metafórica.
Foram burros e burras a sério. Orelhudos e de quatro patas. Daqueles dóceis e servis quadrúpedes que povoam os recintos Ibéricos com notável densidade e que estão protegidos por medidas governamentais. E que até proporcionam subsídios de 17 contos /ano aos seus proprietários.
Pois os burros estão a ganhar dignidades novas e a subir de préstimo. E a ter muitos valores e importantes participações. E a mexer com as economias. E a merecer notícias e crónicas.
E isto tudo porque há burros muito notáveis, com uma forte identidade e reconhecido pedigree.
A primeira reportagem de burros vem-nos da Catalunha onde um agricultor anda a tratar de exportação de sémen congelado duma raça indígena, muito valorizada porque muito resistente, embora de pequena estatura. Dizem-nos que no princípio do século este jerico era muito abundante na península, mas que agora é raro.
A subida e serena inteligência do asno torna-o de grande interesse para certos amanhos, e para o cumprimento de especialíssimas e rudes tarefas e de arriscadas empresas. Como por exemplo o contrabando e o trâfego de drogas várias.
E foi assim que há dias foram apanhadas na zona do Cabo Espichel umas quantas mulas, aparelhadas a preceito, no transporte de tabaco de contrabando. Mas as burras, embora muito práticas naquelas andanças, foram apanhadas pela polícia e estão detidas, à ordem do juiz, num Regimento de Cavalaria.
Consta que o juiz as pode mandar executar. O que eu acho um perfeito disparate. E um atentado contra o aprimoramento da raça dos burros.
O que estaria certo era trazer o tal burro com pedigree da Catalunha para fecundar as inteligentes burras contrabandistas do cabo Espichel. Exactamente como andaram a fazer com as éguas de Alter a quem serviram um garanhão castelhano.
E que diabo! será que as burras, assim inteligentes, não poderão ter direito a uma amnistia?

sábado, 13 de dezembro de 2008

NATAL DO HEREGE

O natal é um arrepio
Porque não há natal sem frio.
E isso de ir buscar muito de frio e neve
Para fazer natal é mais safado do que divino…

Ai como ainda sinto frio nos meus calções de cotim fino
E nas chancas de coiro branco
A caminho da novena dum menino
Que havia de nascer para salvar o mundo.

Minha mãe ficou santa pelos meus cinco anos de idade
E os santos são todos iguais, lá bem no fundo,
Sempre obrigam os outros ao martírio por certeza da sua santidade.
Dizem que o tal menino nasceu sem pai,
Ao bafo dum burro e duma vaca
Que assistiram ao parto duma mãe ainda virgem.
AI!
(Só burros e vacas seriam capazes de amparar tamanha absurdo!)
Esse menino, nascido na manjedoura, haveria de ser o barão dos barões
O rei dos reis, o salvador dos mundos onde tudo eram jardins e alegrias
Uma espécie de Bush mas sem balas, bombas e canhões
Para meter na sacrossanta ordem os incréus, os infiéis, e até os cavalheiros solenes dados à pedomania…
O menino ia ser um milagre abismal, dum poder total
Que faria desaparecer a fome, a peste e a guerra com um gesto, um olhar, uma oração…
Tudo muito mais que o peco 25 de Abril cujo programa,
No fio da espada,
Se ficava pela paz, pão, habitação, liberdade e educação…
Certo que os tropas de Abril eram gajos boçais
Com toda a força só na escopeta e na bomba,
Enquanto o menino era filho do deus único
Fecundado a jeito, por um anjo vestido de pomba…
Hoje, neste frio humano, tenho uma crença serena e celestial
Que me atira para o conforto da absoluta indiferença
Onde agarra, firme e tranquila, a âncora de ateu da minha crença radical.

Dezembro 2008