domingo, 3 de fevereiro de 2008

ENTRAR NO DOURO


Entro neste Douro fundo e profundo e perco o meu pensar

Pensar é ler uma cartilha lógica
É usar um nónio português
É manipular um ábaco chinês
É sucumbir ante uma evidência estética
É não ajoelhar perante a divindade mitológica
Venha ela de Maomé, do Vaticano,
De Buda, dum animismo africano…

Mas aqui não há medidas,
Nem há razões decididas,
Nem geométricas funções,
E nenhum modelo exclusivo…
Aqui é tudo incrível
Tudo impensável, tudo afectivo,
Tudo do tamanho do impossível…

Nós, humanos, carregados de mágoa,
Não percebemos nada disto.
Quem sabe das fragas abertas pela água
São os pássaros, o arbusto do xisto,
As libelinhas, o bufo nocturno, o pequeno insecto.
Este alcantilado, para os humanos,
Parece um deserto,
Uma ilusão
O cabo do mundo da civilização.

Aqui, dum lado ao outro, há uma hora de permeio
Há um país cortado ao meio
Há uma birra entre Madrid e Lisboa
Traçada na proa
Dum barco onde se fala portunhol
Porque no meio do Douro
Não há português nem espanhol.

Na raiz deste silêncio peninsular
Há uma eternidade por achar…
JCR

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